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Lembrar-me ainda e saber que vou esquecer. Essa é a justificação que dou a mim próprio para escrever estas palavras. Um dia, irei precisar delas para voltar a lembrar-me.(...)

 

José Luis Peixoto in Abraço

coreto do Passeio Público

  • Foto do escritor: Ana Calheiros
    Ana Calheiros
  • 3 de mar. de 2021
  • 7 min de leitura

Atualizado: 26 de jun. de 2024


coreto do Jardim da Estrela (ex do Passeio Público)

coreto do Passeio Público / coreto do Jardim da Estrela


O coreto


Este coreto desenhado pelo arquitecto José Luís Monteiro, que se encontra agora no Jardim da Estrela, fazia parte das estruturas de lazer do Passeio Público e, através dele, podemos ter um vislumbre do que terá sido esse espaço que é tão referido na literatura portuguesa do século XIX.


Manteve-se na Avenida da Liberdade até 1936, altura em que foi definitivamente transferido para este jardim.


(imagens: recortes do Diário Ilustrado de 17 de Julho de 1879)


O Passeio Público enchia-se quando tocava a famosa charanga da Armada Real, dirigida por Arthur Reinhardt (1) ou para os concertos nocturnos dirigidos por João Pedro Gomes Cardim e, em 1879 ficaram célebres os concertos sinfónicos regidos por Madame Josephine Amann (2) que dirigia um grupo de músicos alemães.

“Um belo dia (...) encontrei o Passeio transformado (...) um elegante gradeamento substituíra o muro de pedra, entrava-se por um portão também de ferro (...) havia esplêndidas acácias logo à entrada (...). E um grande lago com repuxo (...) depois ao centro outros dois lagos com o Tejo e o Douro (...) e chorões. Um coreto magnífico para música. Muitas árvores raras (...) e ao fundo, pela altura da Rua das Pretas, uma linda cascata com avencas.”
Branca de Gonta Colaço in Memórias da Marquesa de Rio Maior

Hoje, no verão, o coreto ganha vida com a realização de mini festivais como: o festival OutJazz; Okupação do Coreto e outros festivais de iniciativa de "Lisboa na Rua". Conjugam, entre si, atuações variadas de: música, dança, teatro, cinema ao ar livre, recitação de textos e aulas de dança e capoeira.



 

Lago do repuxo no Passeio Público do Rossio - 1ª metade do séc. XIX

Litografia segundo daguerreótipo, Barreto, ca 1844


O Passeio Público


O Passeio Público, onde se encontra actualmente a Av. da Liberdade, foi plantado e construído sobre hortas após 1755 (as Hortas da Mancebia e da Cera e os terrenos pertencentes ao conde de Castelo Melhor, também conhecido por sítio de Valverde), ia desde o Rossio até à Praça da Alegria. Era um jardim cercado de muros com 15 janelas gradeadas de cada lado, foi projectado pelo arquitecto Reynaldo dos Santos e foi inaugurado pelo Marquês de Pombal em 1764.

Jardim romântico, sentimental e intimista, constituía o espaço ideal para a vida social oitocentista da nobreza e burguesia lisboeta.


Foi sendo enriquecido com vários espaços, como os Recreios Whitoyne projectados por Domingos Parente da Silvano, no local onde se ergue, actualmente, o Hotel Avenida Palace e a estação do Rossio.


Em 1835 foi completamente remodelado deixando de ter muros e passando a ter um gradeamento e portões de ferro forjado com guarnecimentos de bronze na entrada norte foi construída uma cascata que tinha no topo um terraço que na realidade era um miradouro sobre a cidade e na entrada sul um grande lago com repuxo “Fui ao Passeio ver o repuxo Fiquei admirado de ver tanto luxo.”. São igualmente dessa época os lagos com as figuras do rio Douro e do rio Tejo que se encontram nos corredores ajardinados da Avenida.


Em 1851 recebe iluminação pública.





"Só os homens de jaqueta, as mulheres de capote e os sem gravata, não podiam lá entrar. O vereador José Augusto Braamcamp insurgiu-se contra essa antiga determinação e, em Agosto de 1852, apresentou uma proposta, abolindo-a. Em noites de grande festa (aos domingos e quintas-feiras), a entrada custava dois tostões e as cadeiras dos asilados um pataco."
Mário Costa in Feiras e Outros Divertimentos Populares de Lisboa

“Depois, para fazer logo tapar as bocas do mundo, foram ao Passeio Público – onde havia essa noite iluminação e fogo preso, indo primeiro tomar sorvete ao Martinho (...)
(...) Mas as noites piores eram as que passava no Passeio Público: levava-o lá o horror de estar só; mas aquela solidão entre gente, sob árvores alumiadas a gás,
vendo tanto homem levando uma mulher pelo braço, era-lhe mais dolorosa que a sua sala deserta e fria, com o seu piano fechado.”
Eça de Queiroz in manuscrito Alves & C.ª

D. Fernando II e D. Maria II, foram frequentadores assíduos e grandes patrocinadores dos seus melhoramentos. Na tela em baixo, que se encontra no Palácio Nacional da Pena, e que foi pintada em 1856 por Leonel Marques Pereira, a figura central é o rei D. Fernando II e a ao seu lado encontram-se Almeida Garrett, o Marquês de Ávila e Bolama e o Conde da Campanhã, seu ajudante de campo.



 


A Avenida da Liberdade


A ideia surge em 1863 mas só se inicia a construção da primeira fase em 1879 ficando concluída e sendo inaugurada em 1882. Em 1886 a Avenida fica completa tendo também ficado concluído o monumento aos Restauradores colocado onde antigamente estava o lago com o repuxo.





Em 1934 fica completamente concluída com a rotunda e com a estátua de homenagem a Marquês de Pombal.


A sua transformação numa avenida foi amplamente contestada na época, quer pela população de Lisboa, quer por figuras de relevo como Fialho de Almeida, Ramalho Ortigão e Rafael Bordalo Pinheiro insurgiram-se contra o projecto de Frederico Ressano Garcia e de Rosa Araújo, então presidente da câmara de Lisboa.


A construção da avenida atravessaria o Passeio Público e uniria o Rossio a São Sebastião da Pedreira.



Rosa Araújo e a Avenida da Liberdade por Rafael Bordalo Pinheiro na publicação O Antonio Maria de 28 de agosto de 1879
















Rosa Araújo e a Avenida da Liberdade

por Rafael Bordalo Pinheiro

na publicação O Antonio Maria

de 28 de agosto de 1879


 

​Os sacrificados


Para além do próprio Passeio Público e das sua infraestruturas, casas particulares e casas de espectáculos ao seu redor também foram sacrificados.

Os prédios fronteiros ao Passeio, na praça da Alegria, foram demolidos.


O actual Coliseu dos Recreios é herdeiro do Coliseu que existiu no Passeio Publico, os Recreios Whitoyne (demolido para a construção da Estação do Rossio em 1877) que se destacou por apresentar récitas de grande qualidade para um público mais popular.


Para a construção da Avenida as outras salas de espectáculo que desapareceram foram o Teatro de Variedades Dramáticas na rua do Salitre (em sua homenagem um teatro do Parque Mayer toma o seu nome) e o Theatro-Circo Price que em 1860 tinha substituído a Praça de Touros do Salitre (a mais antiga de Lisboa e que também era conhecida por "circo de cavalinhos").






O Teatro de Variedades Dramáticas dedicava-se sobretudo à comédia, mas apresentou óperas, dramas, vaudevilles, danças, malabarismos e apresentações de animais e conseguiu atrair diversas camadas da população.


O Theatro-Circo Price era originalmente uma sala especializada em circo e ginástica, o Circo Pride passou depois a apresentar comédias, zarzuelas, operetas e outros espectáculos populares à época. O seu grupo de ginastas e acrobatas estrangeiros impressionou a juventude lisboeta da época e esteve na origem do actual Ginásio Clube Português. ​






​A troca (o Passeio Público pelo Parque da Liberdade)


Na época foram elaborados projectos para a construção de um parque em sua substituição, o Parque da Liberdade. Como invariavelmente acontece, o projecto aprovado de Henri Lusseau, depois de aberto concurso em 1895, não teve verba para avançar.


Mesmo depois das expropriações feitas, a obra foi arrastando-se e, entretanto, a zona do parque foi cenário de feiras, de exposições e de divertimentos e, em 1898, foi terreiro da feira franca, por ocasião do “Centenário da Índia”.


Em 1929, constrói-se um grande lago, na zona pensada por Lusseau, a sul do actual Clube VII e junto dos portões de entrada.



 

projectos de: Henri Lusseau em 1895;

Francisco Keil do Amaral em 1945 e

imagem (google maps) final depois da intervenção do Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles em 1996.



​O Parque Eduardo VII


Actualmente o Parque Eduardo VII, construído na zona do Parque da Liberdade foi projectado por Francisco Keil do Amaral em 1945. Keil do Amaral recupera a ideia da edificação de um miradouro panorâmico, amplo e grandioso e, também a construção de uma via pública monumental para peões, projectando-se para o actual Jardim Amália Rodrigues de autoria do Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles e inaugurado em 1996.


Hoje, seguindo as rotas traçadas pelas antigas ribeiras de Arroios e Valverde, a cidade murada pela Cerca Fernandina, liga-se à cidade das Avenidas Novas por duas grandes avenidas: a Avenida de Liberdade (ribeira de Valverde) e a Almirante Reis (ribeira de Arroios), dois projectos do Engenheiro Frederico Ressano Garcia.


Estas duas avenidas, foram seguramente obras que projectaram Lisboa para uma nova realidade, quem sabe o próprio Marques de Pombal que tinha estado na origem da criação do Passeio Público, um século depois, com a sua afamada visão futurista, não concordaria que o seu sacrifício e das suas infraestruturas, era para um bem maior e inevitável, a ligação da cidade ao seu próprio futuro.


 

1 A 27 de Novembro de 1807, durante as invasões napoleónicas, a Banda da Brigada Real da Marinha acompanhou D. João VI e a Família Real na sua retirada para o Brasil. Tinha como regente o italiano Pascoal Corvalini. Em 1821, quando o soberano regressou ao reino, voltaram apenas dois dos músicos, tendo os restantes sido integrados na Armada Brasileira, criada por D. Pedro.

Em 1863, a Charanga, constituída por 27 executantes e dirigida por Arthur Reinhardt, acompanhou D. Fernando II a Bordéus, a bordo da Corveta “Mindelo”. É da responsabilidade deste monarca a vinda para Portugal do maestro Mark Holzel, que passou a ser responsável pela direção de 20 músicos do Batalhão Naval.

A 3 de Abril de 1903 a Banda dos Marinheiros da Armada grava, no Quartel do Corpo de Marinheiros, em Alcântara, aquele que é considerado o primeiro disco produzido em Portugal, um documento histórico e fonográfico raríssimo. A capa contém o selo real e a inscrição “Oferta do Maestro António Maria Chéu ao rei D. Carlos”. A gravação, efetuada pela The Gramophone and Typewriter Ltd. de Londres, pretendia comemorar a visita de Eduardo VII de Inglaterra a Portugal, através da perenização de uma das mais notórias obras musicais relativas à identidade nacional, os Cantos Populares Portugueses nº 2 de Rodriguez.

2 Madame Josephine Amann dirigiu uma orquestra alemã passando depois a estar à frente de uma outra formada por portugueses. Esta famosa maestrina foi a inspiradora da Festa Chinesa que em Junho de 1879 levou ao Passeio Público uma enorme concorrência e resultou num verdadeiro fiasco.O jardim estava iluminado com balões chineses, os guardas dos portões e os criados dos cafés envergavam fatos do Celeste Império. Bordalo Pinheiro, no António Maria, não perdeu a oportunidade de acentuar o ridículo desta iniciativa que não agradou.

 

fonte fotográfica:

Desenho do natural por "J. Christino", gravura reproduzida in "O OCIDENTE" (235) de 1 de Julho de 1883

Âncora 2
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