Santo António de Lisboa
- Ana Calheiros
- 3 de mar. de 2021
- 7 min de leitura
Atualizado: 26 de jun. de 2024

“É o santo de todo o mundo”
O Papa Leão XIII (1878 – 1903), para acabar com a disputa entre Pádua e Lisboa quanto à designação de Santo António, afirmou que “É o santo de todo o mundo” e, nada melhor o podia definir já que, quer portugueses quer espanhóis quer italianos quer os frades franciscanos, na sua expansão, o levaram com eles um pouco por todo o mundo e, ele ficou a "residir" por onde passou.
No Brasil, tanta é a "familiaridade" com o Santo que, na cultura popular, para obter os seus favores a sua imagem é protagonista num infindável número de "simpatias" e é sujeita às mais cruéis torturas (viram-a de cabeça para baixo, põem-lhe uma pedra em cima; escondem-na num poço escuro, retiraram-lhe o Menino Jesus ou arrancam-lhe o resplendor). No Oriente e em África ganha as feições locais, os seus olhos são rasgados e as vestes têm dragões.

canonizado menos de um ano depois da sua morte
Fernando de Bulhões, frei António de Lisboa, morreu a 13 de Junho de 1231, em Itália, na vila de Arcella, perto de Pádua e o papa Gregório IX canonizou como Santo António a 30 de Maio de 1232, menos de um ano depois da sua morte.
Foi proclamado Doutor da Igreja pelo papa Pio XII em 16 de Janeiro de 1946.
Que se saiba, depois de partir para Coimbra para terminar os seus estudos e ser ordenado sacerdote em Santa Cruz de Coimbra, não regressará a Lisboa.
Parte, depois, para o Norte de África onde adoece. Quando tentava regressar a Lisboa, uma tempestade leva-o para a Sicília.
"Homens de todas as condições, classes e idades alegravam-se de ter recebido dele ensinos apropriados à sua vida" Inicia, então em Itália, um percurso como pregador (mais tarde afirmou-se que sua pregação era inspirada por Deus), em várias cidades, desde o norte de Itália ao do sul de França em que os seus dotes oratórios de uma forma crescente chegam ao entendimento e reconhecimento de todos .
Em Assis terá conhecido S. Francisco de Assis e, segundo algumas fontes, terá sido este que o incumbiu da sua sua actividade como director de estudos e professor de teologia em universidades italianas e francesas. Em Bolonha fundou e dirigiu a primeira escola da Ordem Franciscana.
Em fins de 1231, com a saúde muito abalada, António retira-se para o castelo de Camposampiero, próximo de Pádua. Ali, escreve e revê os seus Sermões(1), dedicando longas horas à meditação espiritual.
"morreu o padre santo!"(2) Terá sido este o pregão das crianças, as primeiras que fizeram correr a notícia por toda a gente, aos gritos. Logo a partir dessa altura se multiplicam os milagres e favores a que o "ainda não santo" acode.
Santo António Doctor Evangelicus
Várias faces populares e miraculosas são conhecidas de todos mas, a mais profunda, a sua cultura amplamente demonstrada nas suas pregações e, que servia de base à erudição mas também à simplicidade e proximidade com as pessoas (São Boaventura disse que ele possuía a ciência dos anjos) é, muitas vezes, descorada e ignorada.
"Santo António de Lisboa, embora muito festejado e venerado como santo pelo povo, é, no entanto, menos conhecido como um homem de cultura literária invulgar e como um verdadeiro intelectual da Idade Média. Reveladora dessa cultura ímpar, é a sua obra escrita, cheia de beleza e densidade de pensamento, como nos testemunham os seus Sermões, autênticos tesouros da Literatura e da História. Vasta, profunda, extraordinária, a respeito da Sagrada Escritura. Ampla, variada e bem apropriada nas transcrições dos Padres da Igreja e dos Autores Clássicos. Impressionante, para o tempo, não apenas pelo conhecimento que revela das ciências naturais e das humanidades, mas igualmente pelo erudito discurso sobre noções jurídicas, como poder, Direito e Justiça."
(2) José Antunes, in Homenagem ao Prof. Doutor José Marques (Resumo do texto intitulado "A Invulgar cultura literária de Frei António de Lisboa"
Só após a sua proclamação como Doctor Evangelicus em 1946, se iniciam com mais profundidade os estudos antoninianos por estudiosos portugueses, italianos e brasileiros bem como pela Família Franciscana.
Em 1995, comemorando 8 séculos sobre o nascimento de Santo António realizou-se em Lisboa um circulo de conferências que juntou especialistas antonianos nacionais e internacionais.
"Como escritos autênticos de S. António apenas chegaram até nós sermões, que se distribuem por três grupos: sermões dominicais, sermões festivos e sermões marianos. Sabemos que trabalhou na sua redacção, sobretudo a partir de 1227, a pedido dos confrades. Os sermões de S. António inscrevem-se plenamente na ars praedicandi medieval em que se parte de um tema contido numa perícopa bíblica que, depois de comentado e desenvolvido, permite extrair lições morais que deverão ser postas em prática no dia-a-dia do homem crente. A sua metodologia recorre também ao processo das concordâncias que consiste em aproximar semanticamente os diferentes textos da mesmo dia litúrgico (ofício divino e liturgia da palavra), mesmo quando a sua correspondência não parece natural. Matéria dos sermões são os textos bíblicos utilizados na liturgia da palavra (Intróito, Epístola e Evangelho) por onde começa a Missa, mais os textos do Antigo Testamento lidos no Ofício Divino. Estes quatro momentos da celebração da Palavra de Deus constituem o que S. António designa simbolicamente, no Prólogo dos Sermões, por quadriga ou carro de quatro cavalos. A quadriga sugere a viagem ascético-mística em que a alma, desprendendo-se progressivamente do apego às coisas terrestres, vai de caminhada até se elevar aos cumes celestes da plena comunhão com Deus.
(...) (1) Não se pense que os sermões reconstituem as exortações de facto dirigidas ao povo pelo Santo ou que são um prontuário de oratória sacra. Oferecem-nos antes um livro de estudo, um comentário espiritual de passos bíblicos, um conjunto de glosas escriturísticas. O carácter didáctico dos sermões explica que eles se distingam por uma nota instrumental que os torna mais enciclopédicos e cultos do que eloquentes. São resumos de matéria predicável e sumários de temas. Atravessam esses textos as preocupações do homem de Deus e do observador atento da sociedade do seu tempo, que foi o nosso pregador. Daí que, sendo documentos que atestam o saber teológico do autor, transbordem de interesse para a história das mentalidades, a história da pedagogia, a sociologia histórica dos meios rurais e urbanos, pelo realismo das referências e alusões frequentes à situação concreta dos seus destinatários."
Luís Machado de Abreu (Universidade de Aveiro) in Revista Lusófona de Ciência das Religiões – Ano XI, 2012 n. 16/17
Santo António em Lisboa
Nasceu em Lisboa, entre 1191 e 1195, cerca de 50 anos depois do nascimento da nação portuguesa e no decurso da reconquista cristã do território ao domínio muçulmano.
Estudou e fez o noviciado no Convento de S. Vicente de Fora, em Lisboa onde esteve até aos 19 ou 20 anos.
No local onde supostamente viveu em Lisboa, foi erigida uma igreja em seu nome. Aquele que terá sido o seu quarto até à altura que partiu de Lisboa, encontra-se na cripta da Igreja.
Numa casa adjacente à igreja foi criado o Museu de Santo António de Lisboa.
A 12 de Maio de 1982, Sua Santidade o Papa João Paulo II, inaugura a estátua de S. António existente no largo, de autoria do escultor Soares Branco. Mas a mais conhecida estátua de S. António em Lisboa, por ser anterior (1972), ter maior dimensão e centrar uma rotunda é a estátua de S. António na praça de Alvalade de autoria do escultor António Duarte e do arquitecto Carlos Antero Ferreira, tendo o artista optado por representar nesta obra a vocação oratória de S. António.
Santo António popular
"Ora naquele mesmo dia, todo o povo da cidade de Lisboa onde Santo António nascera, sobremaneira se alegrou sem saber a causa de tamanha alegria, pois não chegara a notícia de que se estava procedendo à canonização do Santo seu patrício.E, o que é ainda mais de espantar: os sinos da cidade tocaram por si mesmos, não os tangendo ninguém. Era para se dizer que as vozes dos sinos apregoavam a solenidade que lá longe se fazia em honra de Santo António.E dali a pouco veio a saber-se em Lisboa que naquele dia fora o bem-aventurado Padre Santo António exaltado às honras dos altares. E vendo-se a cidade enobrecida com os resplendores de muitos milagres, honrosamente dedicou a Santo António o altar-mor da Igreja catedral; e todos as anos se celebra ali a sua festa, solenemente, com prodígios e milagres."
Compilação - Florinhas de Santo António (3)
Nenhum santo como Santo António tem o lugar familiar, próximo com devotos e não devotos. A sua representação está em cada igreja, capela, ermida do país, em cada casa, ou num painel de azulejo, ou num oratório, ou a adornar uma estante, ou de cabeça para baixo nalgum armário.
A nenhum santo é pedido um tão vasto campo de intervenção: protector da cidade, das casas e da família; intercessor entre os homens e a divindade; protector dos objectos perdidos; protector dos bons casamentos; protector dos animais e curandeiro; poderoso santo milagreiro.
Santo António Militar

Tenente-Coronel do Exército Português e Herói Condecorado da Guerra Peninsular
"Na capela de Nossa Senhora da Vitória da cidadela de Cascais venera-se uma imagem de Santo António, ostentando a Cruz de Oiro das Campanhas da Guerra Peninsular e um manto com o distintivo de granadeiro. (...) Saiba-se, no entanto, que em 24 de Janeiro de 1688, um alvará de D. Pedro II dava Santo António como tendo assentado praça no 2º regimento de infantaria de Lagos. Quinze anos depois, o Santo era promovido ao posto de capitão, como consta dos respectivos registos. A devoção dos soldados pelo glorioso taumaturgo era tão fervorosa, que nas casernas do quartel não havia caixa nem mochila que não tivesse a imagem de Santo António. (...) Santo António foi herói da Guerra Peninsular. Tendo acompanhado aquele regimento, tomou parte em todos os combates desde 1810 a 1814. (...) Após a Guerra Peninsular, quando se premiava os feitos dos mais denodados combatentes, Santo António não podia ficar esquecido. Além da honrosa condecoração da Cruz de Oiro nº5, comemorativa da campanha, foi promovido, por distinção ao posto de tenente-coronel. A corte portuguesa encontrava-se, nessa altura, no Brasil, mas isso não impedia que Santo António obtivesse a sua justa promoção. Mesmo no Rio de Janeiro, o Príncipe Regente assinou o decreto que o elevou ao posto de tenente-coronel de infantaria." Kaúlza de Arriaga, in revista A Esfera de Agosto de 1944
(3) Frei Fernando Félix Lopes, OFM - em Livro dos Milagres ou Florinhas de Santo António de Lisboa, tradução de Liber Miraculorum Sancti Antonii In «Chronica Xxiv Generalium Ordinis Fratrum Minorum»“
Publicaram os Bolandistas uma antiquíssima colecção demilagres de Santo António, à qual chamaram simplesmente LiberMiraculorum ou Livro dos Milagres. Tal colecção anda inserta na Chronica XXIV Generalium Ordinis Fratrum Minorum, e por isso foi novamente publicada, mas sem título especial, na edição dessa obra, feita pelos Franciscanosde Quaracchi em 1897. Dela descobriu Luís Guidaldi uma tradução italiana quatrocentista, e quando em 1935 a trouxe a lume, deu-lhe o nome de Florinhas de Santo António."
fonte fotográfica:
Santo António com O Menino- Retábulo em madeira Séc. XVII/XVIII - www.bestnetleiloes.com
Santo António em Marfim, com patina e vestígios de uso. Congo (Antigo Congo Belga) Cultura Bakongo, Século XVII - XVIII - estacaochronographica.blogspot.pt
Escultura Indo-Portuguesa Séculos XVII - www.museuhistoriconacional.com.br