A primeira geração de elevadores e ascensores de Lisboa
- Ana Calheiros
- 3 de mar. de 2021
- 5 min de leitura

A primeira geração de elevadores e ascensores de Lisboa
Em 2002 foram classificados como Monumento Nacional
A primeira geração de Elevadores e Ascensores 1) que se iniciou em 1884 com a construção do ascensor do Lavra e que ficou concluída em 1902 com a inauguração do Elevador de Santa Justa, chegou a ter seis ascensores e três elevadores em simultâneo no activo.
A partir 1901 alguns ascensores e elevadores foram extintos, em particular os ascensores com percursos mais longos e com características Tramway-cabo, sendo substituídos por carros eléctricos, que passaram a utilizar parte dos seus percursos originais.
Deste conjunto ainda estão no activo os Ascensores do Lavra, da Bica e da Glória e o Elevador da Santa Justa
Em 2002, os quatro, foram classificados como Monumento Nacional
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Ascensores do Lavra, Bica e Glória
Os Ascensores
Estes três ascensores foram criados pelo mesmo autor, o engenheiro Raoul Mesnier de Ponsard (1849-1914) de origem francesa mas nascido na cidade do Porto e, pertenciam e foram construídos pela Companhia dos Ascensores Mecânicos de Lisboa (posteriormente Nova Companhia dos Ascensores Mecânicos de Lisboa) fundada em 1882 por Raul Mesnier e que detinha “a concessão autorizada a estabelecer e a explorar planos inclinados no interior da cidade para o transporte de passageiros e mercadorias”. Têm igualmente em comum a aplicação da mesma tecnologia na sua origem e na sua evolução.
Estes ascensores com características de funiculares 2), mantiveram essa característica e o percurso mas, foram sofrendo alterações quer a nível tecnológico, fruto da alteração da força motriz utilizada, quer a nível da carroçaria.
O sistema de funiculares funciona com dois carros que sobem e descem alternada e simultaneamente ao longo de duas vias paralelas de carris com uma fenda central que alberga o cabo subterrâneo encastrado na calçada e que os une. Cada carro dispõe de duas cabines de condução que, alternadamente, são utilizadas consoante o sentido da viagem.
Inicialmente o sistema de locomoção dos carros fazia-se utilizando cremalheiras laterais encastradas na calçada, designado por "systema Riggenbach-Mesnier" 3). Como força motriz do cabo que ligava os dois carros era utilizado um processo de contrapesos de água (um reservatórios com água no tejadilho). Estes depósitos eram esvaziados quando chegavam ao ponto mais baixo e enchidos no ponto mais alto 4).
Foi esta tecnologia testada e comprovada com sucesso no ascensor do Bom Jesus de Braga em 1882, projectado por Riggenbach, tendo Raul Mesnier dirigido os trabalhos localmente, que levou o engenheiro Raul Mesnier, em nome da futura Companhia dos Ascensores Mecânicos de Lisboa fazer, nesse ano, a seguinte proposta à Câmara Municipal de Lisboa, que posteriormente foi aceite e que corresponde a alguns dos ascensores posteriormente construídos:
"na qualidade de representante e fundador d’uma companhia para o estabelecimento por tracção mechanica da locomoção, (...) authorização para o estabelecimento dos seus processos em algumas calçadas onde a rodagem de carros ordinarios se torna extremamente penosa. Possuidora dos meios technicos mais infalliveis para o fim a que se destina, a companhia dará todas as condições de garantia e segurança que possam ser exigidas. Desde já a companhia pede authorização e licença para começar os seus trabalhos na Calçada da Glória e outro sim que esta authorização seja extensiva às rampas abaixo indicadas:
Da Rua de S. Bento à Praça do Príncipe Real; Calçada do Lavra à Rua do Thorel e Campo de Sant’Anna; Calçada de Agostinho de Carvalho à Graça; Rua dos Cavalleiros à Graça-Calçada de Stª Apollonia à Cruz dos Quatro Caminhos; Largo de Santos à Rua de S. João da Matta; Calçada da Estrela ao Largo da Estrela"

![]() | No pormenor lateral da gravura de R.Christino publicada cerca de dois anos após a inauguração do Lavra pode ver-se a bomba de água a carregar o depósito no ascensor a roda dentada e a cremalheira, bem como o roço central onde corre o cabo. Na fotografia central de João Firmino da Costa, vê-se a actual cremalheira, roda dentada e o cabo do ascensor do Bom Jesus de Braga No pormenor lateral da fotografia de Vieira da Silva de 1885, é visível a cremalheira lateral da roda |
Este sistema de força motriz veio a revelar-se pouco eficaz em Lisboa, em virtude de depender do abastecimento de água da cidade que não tinha a regularidade desejada forçando, por vezes, a interrupção do seu funcionamento.
De uma forma gradual, este, foi sendo substituído, nos três ascensores, pela aplicação de um sistema de máquinas a vapor que implicou a construção de infraestruturas adjacentes para alojarem as caldeiras.
Em 1915 inicia-se a electrificação dos três ascensores com energia fornecida pela Central Eléctrica de Santos. Esta mudança traduz-se no desaparecimento do sistema de cremalheira e na instalação de pantógrafos 5) no tejadilho para possibilitar a transmissão da corrente aos motores. Cada carro passa a dispor de um motor mas, no entanto, permanecem ligados "em série" pelo que, só com a manobra conjunta dos dois guarda freios ascensoristas se conseguem pôr ambos os carros em andamento. No entanto, por questões de segurança, basta a intervenção de um para que ambos se imobilizem.
O Elevador
O Elevador de Santa Justa ou do Carmo é igualmente obra do engenheiro Raoul Mesnier (e não do engenheiro a Gustave Eiffel como habitualmente é referido. Este engenheiro francês, viveu em Portugal entre 1875 e 1877 e deixou-nos com a sua assinatura, entre outras obras, o Mercado de Olhão e várias pontes, nomeadamente a Ponte D. Maria Pia no Porto, a Ponte dupla de Viana do Castelo, a Ponte de Barcelos, do Pinhão e de Fão).
É uma das principais e poucas obras da “Arquitectura do Ferro” em Lisboa e tecnicamente muito diferente dos seus contemporâneos ascensores, desde logo porque se trata de um elevador vertical e, sobretudo, porque logo desde o início se utilizaram motores a vapor.
Em 1926 os três ascensores e o elevador de Santa Justa, passaram a ser propriedade da Companhia de Carris de Ferro de Lisboa (CCFL) após a dissolução da Nova Companhia dos Ascensores Mecânicos de Lisboa.
Data da década de trinta a uniformização da cor amarela das carroçarias que até hoje prevalecem como imagem de marca da companhia Carris, já então sua proprietária.
Ascensores do Lavra, Bica e Glória
Com um charme muito particular esta geração de ascensores e elevadores é particularmente acarinhada pelos lisboetas e pelos turistas e, esporadicamente, têm trocado a sua cor amarela para "dar a cara" como embaixadores de campanhas artísticas, culturais ou de carácter social, ou .... simplesmente para animar a quadra natalícia!
Ascensores do Lavra, Bica e Glória
Sem o charme desta geração de elevadores, mas com a mesma intenção de possibilitar uma melhor acessibilidade, mobilidade e vencer os desníveis de Lisboa, a CML já construiu três novos elevadores com tecnologias actuais e, existem mais três em projecto e execução - são a segunda geração de elevadores e ascensores de Lisboa.
Bem vindos a bordo

1 Embora o significado de ascensores e elevadores ser o mesmo respeitou-se a terminologia associada aos seus nomes e que os distingue pelo facto de aos elevadores se associar a função de elevarem na vertical e os ascensores a função de elevarem em planos inclinados.
2 Sistema de transporte em que o veículo se move num plano inclinado por meio de cabos de aço postos em acção por um motor imóvel, permitindo ultrapassar grandes diferenças de nível (dicionário Porto Editora). Deriva do latim funicŭlu – corda pequena.
3 Baseado no sistema de cremalheiras Riggenbach, inventado por Niklaus Riggenbach e difundido a partir da Suíça.
4 Com estas características e ainda funcionando o ascensor do Bom Jesus de Braga, continua a utilizar o sistema de contrapesos de água, sendo por isso, simultâneamente o primeiro funicular (1882) construído na Península Ibérica e o mais antigo, em serviço, no mundo a utilizar o sistema de contrapeso de água.
5 Dispositivo montado no topo da carroçaria com a função de recolher energia de um cabo eléctrico.
Fonte fotográfica:
João Manuel Hipólito Firmino da Costa In A Tomada de Lisboa pelos Ascensores (Tese de Mestrado)